top of page

Legos contra o burnout: o que a iniciativa da Deloitte revela sobre o futuro do bem-estar corporativo

  • Foto do escritor: Hélio Salomão Cordoeira
    Hélio Salomão Cordoeira
  • 20 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 30 de jun.

Uma ação simbólica que chamou atenção do mundo corporativo


Em uma medida que mistura ludicidade e bem-estar emocional, a Deloitte dos Estados Unidos passou a incluir kits de Lego entre os itens cobertos por seu programa de subsídio ao bem-estar dos funcionários. A política permite reembolsos de até US$ 1.000 anuais por colaborador, valor que também cobre livros, jogos, quebra-cabeças, equipamentos de ginástica e sessões terapêuticas. A iniciativa ganhou destaque não apenas pela peculiaridade do item incluído, mas pelo que ele simboliza em meio a uma crise silenciosa que assola o ambiente corporativo: o burnout.


Para muitos, montar kits de Lego ou resolver quebra-cabeças representa uma forma de desconexão produtiva, de reconexão interna. É o que diversos funcionários relataram nas redes sociais e em entrevistas à imprensa: momentos de foco e prazer simples que funcionam como antídoto ao estresse das longas jornadas. A medida, no entanto, também levanta questionamentos: pode o cuidado com a saúde mental ser traduzido em blocos coloridos? Ou trata-se apenas de um gesto superficial diante de problemas mais estruturais?


O burnout como sintoma de uma cultura desequilibrada


O burnout é uma condição reconhecida pela OMS desde 2019, associada a ambientes de trabalho desgastantes, falta de reconhecimento e excesso de demandas. O Aflac WorkForces Report 2024–2025 revelou que mais da metade dos trabalhadores americanos já experimenta algum grau de esgotamento emocional, sendo que 25% relatam níveis altos e contínuos. Diante desses dados, cresce a pressão sobre as empresas para que assumam um papel mais ativo e preventivo na promoção da saúde mental.


No entanto, especialistas alertam para a armadilha de medidas paliativas. A oferta de um Lego — embora bem-intencionada — não substitui políticas estruturantes como limitação real da carga horária, folgas regulares, escuta ativa e capacitação de líderes para gestão emocional. Como aponta Matthew Owenby, diretor da Aflac, “os funcionários sabem o que precisam: tempo de qualidade, descanso legítimo e uma cultura que respeite seus limites”. Segundo ele, a maioria dos trabalhadores considera férias e folgas remuneradas como as formas mais eficazes de enfrentamento do burnout — não brindes ou atividades pontuais.


O valor simbólico do lúdico — e seus limites


Ainda assim, não se pode descartar totalmente o impacto positivo do lúdico no cotidiano profissional. Há evidências científicas de que atividades como montar blocos ou pintar funcionam como estímulos de atenção plena (mindfulness) e promovem estados de fluxo, nos quais o foco e a presença reduzem a ansiedade e aumentam a sensação de controle. Em tempos de hiperconectividade e fadiga digital, esses momentos podem ser essenciais para a regulação emocional.


É nesse sentido que a estratégia da Deloitte pode ser interpretada: como parte de uma abordagem mais ampla, ela reforça o direito ao prazer, ao descanso criativo, à pausa significativa. No entanto, isoladamente, o gesto corre o risco de parecer cosmético — ainda mais quando se leva em conta que ele acontece paralelamente a movimentos de corte de pessoal, aumento de metas e reestruturações internas em diversas consultorias. A incoerência entre o discurso do cuidado e a prática organizacional é, por vezes, um fator que aprofunda a desconfiança entre equipes e lideranças.


Para onde caminha o bem-estar corporativo


A experiência da Deloitte é um sinal dos tempos: empresas de setores tradicionalmente rígidos, como auditoria e consultoria, estão testando novas formas de abordagem do bem-estar. Mas para que essas ações se consolidem como mudanças reais, precisam vir acompanhadas de indicadores, políticas claras e compromissos duradouros.


Nesse cenário, o papel da liderança é central. Gestores precisam ser formados para lidar com questões emocionais, identificar sinais precoces de exaustão e criar ambientes psicologicamente seguros. Além disso, ferramentas de diagnóstico e monitoramento de riscos psicossociais — como as oferecidas por soluções como a Althea — tornam-se fundamentais para transformar intenções em ações concretas. Mapear fatores de risco, ouvir os colaboradores, adaptar jornadas e medir os resultados são passos indispensáveis para qualquer empresa que pretenda atuar com responsabilidade na era da saúde mental corporativa.


Ao final, a questão não é sobre distribuir kits de Lego, mas sobre construir — com dados, empatia e compromisso — ambientes onde as pessoas possam existir com inteireza. O futuro do trabalho não será feito apenas de produtividade, mas de pausas, escutas, e sim, talvez também de blocos coloridos — desde que não se esqueça do chão firme sobre o qual essas construções precisam repousar.



Fonte

“Legos contra o burnout? O que a estratégia desta empresa revela sobre o futuro do bem-estar corporativo”, Administradores.com, 19 de junho de 2025.



Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page