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Quando o humor disfarça o desrespeito e o absurdo se torna rotina.

  • Foto do escritor: Hélio Salomão Cordoeira
    Hélio Salomão Cordoeira
  • 25 de nov.
  • 5 min de leitura

The Office — A Síndrome do “Jeito de Ser da Empresa”


Quando o riso serve para disfarçar o desrespeito e a disfunção vira rotina — o retrato real das empresas que confundem leveza com omissão.

O riso como anestesia: quando a piada vira política


Em The Office, o constrangimento é cômico, o absurdo é rotina e o desrespeito virou entretenimento.O que parece apenas humor é, na verdade, um retrato minucioso da banalização da toxicidade.A cada comentário inadequado de Michael Scott, um riso constrangido mantém o sistema funcionando.

A série não é apenas sátira — é sociologia.Ela revela como o humor serve como lubrificante emocional de ambientes disfuncionais, permitindo que o desrespeito se repita sob o disfarce da “brincadeira”.E é assim que nasce a Síndrome do Jeito de Ser da Empresa: o momento em que a disfunção deixa de causar desconforto e passa a ser considerada parte da cultura.

No mundo real, esse fenômeno tem nome científico: normalização do desvio (Normalization of Deviance).Ele descreve o processo pelo qual comportamentos inadequados, quando não confrontados, tornam-se parte do cotidiano — e, eventualmente, da identidade institucional.

A frase “aqui é assim mesmo” não é uma constatação neutra.É uma confissão coletiva de conivência.


O custo mensurável da toxicidade


A prova mais contundente vem da MIT Sloan Management Review.Em um estudo de 2022, os pesquisadores Donald e Charles Sull analisaram 1,4 milhão de avaliações de funcionários em plataformas como a Glassdoor para entender por que as pessoas pedem demissão.

O resultado foi inequívoco:

Uma cultura corporativa tóxica é 10,4 vezes mais determinante para a rotatividade de uma empresa do que o salário.

Os fatores mais citados foram:

  • Falta de respeito.

  • Comportamentos antiéticos.

  • Ambientes excludentes disfarçados de afinidade.

Em outras palavras: o “jeito de ser da empresa” custa caro.As organizações que toleram o desrespeito pagam em silêncio, desengajamento e perda de talentos — e raramente percebem que o humor que as define é o mesmo que as corrói.

A pesquisa confirma o que a Althea chama de engenharia emocional reversa: a cultura é construída pelos comportamentos que são recompensados, não pelos que são comunicados.E nas empresas, o riso sem reflexão é a moeda da omissão.


A normalização do desvio: o absurdo que virou rotina


A Harvard Business Review, baseando-se no trabalho da socióloga Diane Vaughan, descreve a normalização do desvio como um ciclo em três etapas:

  1. Um comportamento inadequado ocorre e não há consequência imediata.

  2. O grupo, ao perceber que nada acontece, passa a aceitar o desvio.

  3. O comportamento, repetido diversas vezes, se torna norma.

É assim que o “não foi nada demais” vira política cultural.O problema não é o primeiro desvio — é o silêncio que o segue.A ausência de reação transforma o desrespeito em método.

Pesquisas recentes mostram que o efeito cumulativo do silêncio é devastador: quanto mais os desvios são tolerados, mais difícil se torna reconhecê-los.A cultura se acostuma ao incômodo, e o riso vira anestesia.

The Office é o retrato fiel dessa anestesia coletiva.Michael Scott não é apenas o “chefe engraçado” — ele é o símbolo da cultura que confunde carisma com impunidade.E o riso da equipe não é diversão — é sobrevivência.


O medo do constrangimento: o silêncio como estratégia


A pesquisadora Amy Edmondson, de Harvard, descreve a segurança psicológica como a crença de que se pode falar sem ser punido ou ridicularizado.É o oposto do que vemos em The Office.Ali, ninguém confronta o chefe porque o custo social de discordar é alto demais.

Em ambientes sem segurança psicológica, as pessoas fazem um cálculo inconsciente:

“É mais seguro rir da piada do que interromper o constrangimento.”

A Harvard Business School mostra que equipes com baixa segurança psicológica cometem mais erros e inovam menos, pois os funcionários deixam de compartilhar ideias e problemas.A autocensura se torna um mecanismo de autoproteção.

E o resultado é o mais perigoso dos cenários:o conformismo coletivo mascarado de leveza.


Quando o chefe é o problema: o “tolo brilhante”


A MIT Sloan chama de Brilliant Jerk o profissional que entrega bons resultados, mas destrói a cultura ao redor.É o gestor carismático e performático, mas emocionalmente negligente.

Segundo o mesmo estudo, líderes assim reduzem a retenção, aumentam o burnout e criam um efeito cascata:as equipes aprendem que “ser tóxico compensa”.

A Gallup confirma:

  • O gerente é responsável por 70% da variação no engajamento de uma equipe.

  • Equipes lideradas por gestores tóxicos têm 59% mais rotatividade e três vezes mais sintomas de esgotamento.

A cultura é um espelho da liderança — e, como em The Office, o chefe “engraçado” costuma ser o epicentro do desconforto.


O Brasil e o “foi só uma piada”


A informalidade brasileira, frequentemente vista como traço positivo, também é o terreno fértil da banalização do assédio.Pesquisas da ICTS Protiviti e da Robert Half revelam que:

  • 41% dos profissionais brasileiros já foram humilhados “de brincadeira” no trabalho.

  • 45% dos que presenciam irregularidades não denunciam por medo de retaliação.

O “foi só uma piada” é o mecanismo perfeito da impunidade.Mistura afeto e abuso em doses sutis, tornando quase impossível distinguir humor de violência simbólica.

A Althea chama esse fenômeno de ambiguidade emocional institucionalizada — o ponto em que o cuidado e a crueldade falam o mesmo idioma.


Como quebrar o ciclo: intervenções baseadas em evidências


A Engenharia de Emoções propõe um conjunto de estratégias práticas, amparadas por pesquisas da HBR, MIT Sloan e Gallup, para reverter a Síndrome do Jeito de Ser da Empresa.


1. Intervenção imediata — parar de banalizar

Líderes precisam intervir no momento em que o desvio ocorre.Uma interrupção pública e calma (“Essa piada não representa nossos valores”) sinaliza o novo padrão.A HBR mostra que essa postura aumenta em 40% a percepção de respeito e recalibra o custo do silêncio.

2. Intervenção estrutural — eliminar os “tolos brilhantes”

Avaliar performance também pela cultura.Se um líder entrega resultados às custas da saúde da equipe, ele não é de alta performance.O MIT Sloan comprova que remover líderes tóxicos reduz a rotatividade pela metade em até 12 meses.

3. Intervenção de segurança — institucionalizar a discordância

Inspirada em Amy Edmondson e Adam Grant, essa ação formaliza o conflito saudável: criar papéis de “advogado do diabo”, rituais de crítica e momentos seguros de vulnerabilidade.Equipes com segurança psicológica demonstram até 30% mais inovação.

4. Intervenção de longo prazo — promover quem cuida

A Gallup demonstra que apenas 18% dos líderes globais têm competências emocionais adequadas.Empresas que promovem líderes empáticos e éticos têm 70% mais engajamento e 59% menos rotatividade.Promover bem é a forma mais profunda de mudar a cultura.

Reconstruindo o vínculo: o verdadeiro “jeito de ser”

A Síndrome do Jeito de Ser da Empresa é o retrato da complacência emocional.Ela mostra como o riso pode ser tanto ferramenta de coesão quanto instrumento de silenciamento.Mas a pesquisa é clara: culturas saudáveis não se constroem em torno de quem fala mais alto — e sim de quem escuta com mais cuidado.

Na Althea, chamamos isso de Engenharia de Emoções:a aplicação científica do cuidado como estrutura organizacional.Mapeamos as emoções, os comportamentos e os silêncios que formam a cultura.Porque o verdadeiro “jeito de ser” de uma empresa não é o que ela diz —é o que ela se recusa a rir.

Conheça o Althea Mapa — o diagnóstico que revela o que sua cultura realmente comunica.

Referências

  • SULL, Donald; SULL, Charles. Toxic Culture Is Driving the Great Resignation. MIT Sloan Management Review, 2022.

  • VAUGHAN, Diane. The Normalization of Deviance in Organizations. Harvard Business Review, 2021.

  • EDMONDSON, Amy. The Fearless Organization. Harvard Business School Press, 2019.

  • GALLUP. State of the Global Workplace 2024. Washington, DC: Gallup, 2024.

  • GRANT, Adam. Think Again: The Power of Knowing What You Don’t Know. Viking, 2021.

  • ICTS PROTIVITI. Panorama de Canais de Denúncia 2024. São Paulo: ICTS Protiviti, 2024.

  • ROBERT HALF. Índice de Confiança no Emprego 2023. São Paulo: Robert Half, 2023.

  • HARVARD BUSINESS REVIEW. How to Intervene When Someone Crosses the Line at Work. HBR, 2022.

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