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O Preço da Força: Como o Medo, o Ego e o Controle Desgastam a Liderança Moderna

  • Foto do escritor: Hélio Salomão Cordoeira
    Hélio Salomão Cordoeira
  • 11 de nov.
  • 8 min de leitura

Entre Síndromes e Séries | Succession — A síndrome do poder performático


O impacto do poder performático e da cultura do medo na saúde emocional e na performance das equipes.


A autoridade como encenação


Em Succession, poder é linguagem corporal, silêncio calculado e frases afiadas. Não é apenas decisão — é exibição. A família Roy vive sob a lógica de que liderar é sustentar uma imagem inabalável, mesmo quando tudo treme por dentro. Na tela, vemos a dramaturgia do comando; nas empresas, reconhecemos um velho conhecido: a liderança que confunde confiança com invulnerabilidade.

Na prática, o “poder performático” transforma a liderança em um teatro permanente. O preço é alto: decisões tomadas para proteger a persona do líder, não a estratégia; relações mediadas pelo medo, não pela confiança; um ambiente em que falar vira risco e silenciar, mecanismo de sobrevivência.

Esta é a síndrome do poder performático: quando a necessidade de parecer forte produz líderes inseguros, equipes silenciosas e culturas que normalizam o medo como método.


A autoridade como encenação

Em Succession, o poder é uma performance contínua. Cada gesto é calculado, cada palavra é um ato de sobrevivência emocional. A família Roy vive sob uma lógica de comando que confunde respeito com medo e autoridade com invulnerabilidade.Mas, por trás da retórica e dos ternos impecáveis, o que se revela é fragilidade. Líderes que se esforçam para parecer inabaláveis acabam se tornando prisioneiros da própria persona.

Essa é a Síndrome do Poder Performático: quando a autoridade se converte em espetáculo e a liderança se sustenta mais na aparência de força do que na coerência das decisões.Em contextos reais, essa síndrome produz gestões marcadas pelo isolamento emocional, pela insegurança psicológica e pela erosão da confiança coletiva.

Trabalho emocional do topo: quando comandar vira atuar

O conceito de trabalho emocional, formulado por Arlie Hochschild, descreve o esforço de regular emoções para atender às expectativas sociais do papel profissional. Originalmente aplicado a funções de atendimento, ele se expandiu para as esferas de liderança — especialmente nos níveis executivos, onde o imperativo de parecer “forte e no controle” é permanente.

Liderar, em ambientes de alta pressão, envolve lidar com múltiplas tensões simultâneas: inspirar confiança enquanto se lida com incerteza; demonstrar resiliência diante de falhas; proteger a equipe de crises que, em silêncio, também afetam o próprio líder.É aqui que o trabalho emocional se transforma em atuação emocional — um processo em que o gestor gerencia sua expressividade com a mesma técnica que um ator gerencia um personagem.

Estudos da Harvard Business Review (2022) mostram que líderes que mantêm otimismo forçado e supressão emocional apresentam níveis mais altos de exaustão e dissonância de identidade. Eles desenvolvem uma forma de isolamento psíquico: não conseguem pedir ajuda, não compartilham dúvidas e passam a viver sob o medo de serem descobertos como “imperfeitos”.

Neurocientificamente, esse tipo de controle emocional contínuo sobrecarrega o córtex pré-frontal, responsável pela autorregulação e tomada de decisão, e eleva o nível basal de cortisol, o hormônio do estresse. O resultado é uma liderança fatigada, que reage mais do que planeja.

Em resumo, o trabalho emocional do topo cria uma liderança que inspira à distância, mas se esgota por dentro — uma espécie de carisma cansado.Liderar vira atuar. E atuar, com o tempo, deixa de ser escolha: torna-se sobrevivência.

Supervisão abusiva e cultura do medo: o mecanismo oculto

Quando o poder é exercido por meio da intimidação, nasce o que a literatura chama de supervisão abusiva (Abusive Supervision).Definida por Bennett Tepper (Academy of Management Journal, 2000) como “a percepção dos subordinados de que o supervisor exibe comportamentos hostis de maneira sustentada, verbais ou não verbais”, ela é um dos temas mais pesquisados em comportamento organizacional nas últimas duas décadas.

A MIT Sloan Management Review, em How Toxic Leaders Destroy People — and Organizations, mostrou que a liderança abusiva cria ambientes de baixo aprendizado e alta autoproteção.Em tais contextos, a equipe deixa de contribuir ativamente, porque cada interação passa a ser uma negociação de sobrevivência.

Os efeitos são amplamente documentados:

  • Redução da voz (employee voice): as pessoas param de sugerir melhorias, reportar falhas ou questionar ordens, temendo retaliações.

  • Aumento da retaliação passiva: o cinismo cresce, a cooperação desaparece e comportamentos sabotadores emergem como forma de resistência velada.

  • Colapso da criatividade: estudos em neurociência do comportamento (Frontiers in Psychology, 2022) mostram que o medo ativa a amígdala e inibe o córtex pré-frontal, desligando o circuito neural responsável por inovação e pensamento estratégico.

É o que se vê em Succession: um império em colapso não por falta de competência, mas por excesso de medo. O poder performático cria uma coreografia organizacional de tensão constante, onde ninguém ousa mover-se fora do ritmo do chefe.

E o mais devastador é que a cultura do medo é autossustentável: quanto mais o líder intimida, mais o silêncio se instala — e quanto mais o silêncio se instala, mais o líder se sente desafiado, reforçando o ciclo de controle.

O custo humano do mau gerenciamento (Gallup)

Há uma frase que resume duas décadas de pesquisa da Gallup: “As pessoas não deixam empresas — elas deixam gestores.”Os dados são consistentes: 70% da variação no engajamento de uma equipe é explicada pela qualidade da liderança direta.

Nos relatórios State of the Global Workplace, o gerente aparece como o principal preditor de saúde emocional e produtividade. O burnout não nasce apenas da carga de trabalho, mas da relação entre expectativa e apoio.

Os fatores de risco mais comuns identificados pela Gallup incluem:

  • Gerenciamento injusto e preferências pessoais travestidas de meritocracia;

  • Metas contraditórias e ausência de clareza sobre o que é sucesso;

  • Carga de trabalho insustentável, imposta por líderes que veem esforço como lealdade.

Em Succession, o medo de decepcionar o patriarca move os filhos tanto quanto o desejo de superá-lo. O mesmo ocorre em muitas empresas: lealdade emocional substitui propósito coletivo, e o time passa a competir por aprovação, não por resultado.

Consequentemente, a exaustão aumenta, o turnover acelera e o engajamento despenca. Líderes performáticos não apenas adoecem — eles adoecem quem os segue.

A Gallup também mostrou que, quando existe confiança na liderança, a propensão ao burnout cai drasticamente. Líderes que comunicam vulnerabilidade e escutam ativamente criam senso de segurança que protege contra o estresse crônico.É uma prova empírica de que o poder relacional é mais eficaz do que o poder hierárquico.

Brasil: medo de retaliação e silêncio organizacional

Se a família Roy personifica o autoritarismo globalizado, o contexto brasileiro traduz a sua consequência mais prática: o medo de retaliação.Relatórios de compliance e ética corporativa (como o Canal de Denúncias ICTS Protiviti 2023 e estudos da Robert Half) mostram que até metade dos funcionários que testemunham irregularidades preferem o silêncio à denúncia.

Por quê? Porque, no Brasil, o erro ainda é lido como fraqueza e a vulnerabilidade, como incompetência.É a mesma lógica da Síndrome do Poder Performático: o medo de parecer fraco silencia a verdade.

Essa dinâmica gera:

  • Subnotificação de riscos éticos e operacionais;

  • Ambientes onde falar é mais perigoso que omitir;

  • Colaboração superficial, baseada em aparências de harmonia.

E o dano é mensurável: em culturas com alto medo de retaliação, a rotatividade é 30% maior, e a probabilidade de inovação cai pela metade (dados compilados pela Academy of Management Perspectives, 2020).

Em outras palavras, a cultura do medo é um problema de governança — e o silêncio, seu principal KPI.

Narcisismo corporativo: quando o ego ocupa a sala do conselho

O narcisismo corporativo é o estágio avançado da Síndrome do Poder Performático.Como descreve Manfred Kets de Vries (INSEAD), trata-se de um tipo de liderança emocionalmente dependente do reflexo dos outros. O líder não busca resultados — busca reverberação.Sua energia se alimenta da adulação e da centralidade. Ele não constrói sucessores; constrói espelhos.

Na literatura, o narcisismo de alto funcionamento é um paradoxo: combina grande capacidade técnica e estratégica com profunda imaturidade afetiva. O líder se destaca na crise (onde há palco), mas se desorienta na rotina (onde há cooperação).

Os efeitos são amplamente conhecidos:

  • Estrutura de poder baseada em bajuladores (sycophants): o líder promove quem reforça sua imagem, não quem amplia a competência coletiva.

  • Decisões impulsivas e arriscadas, voltadas para visibilidade e não sustentabilidade.

  • Erosão da sucessão corporativa: a lealdade pessoal substitui critérios de mérito e preparo.

Um estudo do Journal of Business Ethics (2021) mostrou que empresas lideradas por executivos com altos índices de narcisismo tendem a apresentar maior volatilidade estratégica, ciclos curtos de planejamento e clima organizacional tóxico.

O caso dos Roys ilustra o que a psicologia organizacional confirma: o narcisismo cria sistemas centrípetos, em que todo poder é puxado para o centro, até que o centro implode.Nessas culturas, a vulnerabilidade é exilada e a empatia, vista como ameaça.O resultado é previsível — inteligência coletiva reduzida e colapso relacional.

Segurança psicológica: a evidência que muda a régua

O Projeto Aristóteles (Google) demonstrou que o preditor nº 1 de performance de equipe é a segurança psicológica: a sensação de que se pode discordar, perguntar, errar e trazer problemas reais sem punição.A pesquisa de Amy Edmondson (Harvard) chega ao mesmo ponto: sem segurança psicológica, a inovação despenca porque o risco interpessoal se torna inaceitável.

Como isso nasce na prática?Quando a liderança assume vulnerabilidade: admite incertezas, pede ajuda, explicita critérios de decisão e garante proteção relacional a quem levanta problemas. Vulnerabilidade, aqui, não é catarse; é procedimento de gestão.

Dados de negócio (McKinsey, cortes recentes de literatura): times com segurança psicológica têm maior retenção de talentos e maior probabilidade de atingir metas de inovação. Em suma, menos teatro, mais resultado.

O paradoxo do topo: quem sustenta a máscara se isola

Estudos recentes publicados na HBR indicam que líderes que mantêm otimismo forçado e invulnerabilidade apresentam risco significativamente maior de burnout do que seus times. O fenômeno, às vezes chamado de dissonância de autoridade, aparece como solidão, culpa e sensação de impostor — déficits que pioram delegação e aprendizados.

Mensagem dura, porém estratégica: a armadura da invulnerabilidade protege a imagem e sufoca a liderança. O custo da máscara é pago em inteligência coletiva.

Antídoto: poder relacional, não performático

A literatura converge: autenticidade operacional (consistência entre valores, critérios e comportamento) e vulnerabilidade procedimental (regras explícitas de como pedir ajuda, admitir erro e aprender publicamente) reconstroem confiança.

Componentes práticos:

  1. Rituais de fala segura (check-ins, regras de desacordo, pós-mortem sem culpados).

  2. Critérios claros de decisão e justificativas públicas para escolhas estratégicas.

  3. Métricas de clima e risco psicossocial acompanhadas por liderança (e não terceirizadas à área de RH).

  4. Formação de gestores em escuta qualificada, feedback e regulação emocional.

  5. Governança de consequências para abuso e retaliação (sem exceções hierárquicas).

Isto é poder relacional: a autoridade que organiza a coragem coletiva em vez de exigir a aparência de força.

Conclusão: liderança como prática de verdade

A síndrome do poder performático é a patologia da autoridade sem afeto: um sistema onde o medo substitui a confiança e a imagem substitui o vínculo.Succession dramatiza o extremo; a ciência descreve o cotidiano. O caminho de volta não é mais teatro — é coerência: políticas que protegem a fala, líderes que assumem limites e organizações que tratam emoções como dados estratégicos de gestão.

Na Althea, chamamos isso de Engenharia de Emoções: revelar o que se mascara, transformar sinais humanos em inteligência de gestão e alinhar poder com cuidado — para que a liderança volte a ser espaço de verdade, e não de encenação.

Conheça o Althea Mapa — diagnóstico que torna visíveis os custos emocionais da autoridade performática e orienta planos de ação tangíveis.

Referências (ABNT simplificado)

  • EDMONDSON, Amy. The Fearless Organization. Hoboken: Wiley, 2019.

  • GALLUP. State of the Global Workplace 2024. Washington, DC: Gallup, 2024.

  • GOOGLE. Project Aristotle: Psychological Safety and Team Performance. 2015–2017.

  • KETS DE VRIES, Manfred. Narcissistic Leaders: Who Succeeds and Who Fails. INSEAD, 2019.

  • MCKINSEY & Company. Psychological Safety and High-Performing Teams. 2023.

  • MIT SLOAN MANAGEMENT REVIEW. How Toxic Leaders Destroy People—and Organizations. 2020–2022.

  • TEPER, Bennett. Consequences of Abusive Supervision. Academy of Management Journal, 2000.

  • HARVARD BUSINESS REVIEW. Authentic Leadership; The High Cost of Hidden Leadership Stress; The Leader’s Guide to Corporate Culture. 2015–2024.

  • FRONTIERS IN PSYCHOLOGY. Leadership, Stress, and Cortisol. 2022.

  • JOURNAL OF BUSINESS ETHICS. Narcissistic Leadership and Organizational Destruction. 2021.

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