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A engenharia da abertura: cultura, instituições e a governança da inovação sustentada

  • Foto do escritor: Hélio Salomão Cordoeira
    Hélio Salomão Cordoeira
  • 27 de out.
  • 11 min de leitura
Série “Nobel da Inovação” — como ideias, emoções e governança criam (ou bloqueiam) crescimento de longo prazo.

Por que abertura institucional (e emocional) virou estratégia


Crescimento sustentado não nasce apenas de tecnologia. Ele depende de instituições abertas e de uma cultura emocional capaz de permitir que o conhecimento circule, seja confrontado e se torne ação. É aqui que a obra de Joel Mokyr ilumina a gestão contemporânea: a história do progresso moderno é, antes de tudo, a história do conhecimento útil que consegue sair do laboratório, atravessar fronteiras e virar prática.

Transportado para as organizações, o argumento é direto: não basta ter talento, capital e ferramentas. Sem segurança psicológica, sem espaço para o desacordo produtivo e para o erro como insumo de aprendizagem, o conhecimento não flui. A empresa até aparenta eficiência, mas apenas repete o que já sabe, trocando vitalidade por controle — a clássica estagnação mascarada por produtividade.


O paradigma de Mokyr — Cultura, instituições e o motor do progresso


A contribuição de Joel Mokyr redefine a própria ideia de crescimento econômico. Ele desloca o centro do debate do capital para a cultura — do estoque de recursos para o sistema de crenças que legitima o uso desses recursos.Enquanto economistas clássicos associavam prosperidade ao acúmulo de bens, máquinas ou instrução formal, Mokyr demonstra que o verdadeiro diferencial da modernidade foi a criação de um ambiente institucional e mental que permitiu a transformação de conhecimento em progresso.Não se trata apenas de descobrir mais, mas de acreditar que descobrir vale a pena — e de garantir que o conhecimento possa circular livremente, sem ser monopolizado ou silenciado.


Ideias acima do capital — O conhecimento útil como força produtiva


Para Mokyr, a modernidade não se explica apenas por novos inventos, mas pela emergência do que ele chama de “conhecimento útil”, composto por duas dimensões:


  • λ (lambda): o conhecimento proposicional, o “porquê” — o saber científico, teórico e abstrato.

  • κ (kappa): o conhecimento prescritivo, o “como” — as técnicas e aplicações práticas que tornam o saber tangível.


O crescimento se sustenta quando há mecanismos institucionais que incentivam a busca pelo λ e sua tradução contínua em κ.Em outras palavras: a inovação deixa de ser um lampejo isolado de genialidade e passa a ser um processo replicável, sustentado por comunidades que investigam, validam e aplicam ideias de forma coordenada.

Essa visão substitui a lógica linear da “descoberta individual” pela lógica sistêmica do progresso cumulativo.O ponto crucial é que ideias só se tornam força produtiva quando encontram um meio institucional que as acolhe — uma infraestrutura social que as legitima e as multiplica.Onde o medo, a censura ou a hierarquia sufocam a expressão, o λ morre antes de se tornar κ.

O raciocínio de Mokyr é quase biológico: o conhecimento precisa de ecossistemas abertos para evoluir.Assim como espécies precisam de diversidade genética, as sociedades precisam de diversidade de ideias — e isso só floresce onde há liberdade para experimentar, errar e contradizer.


A cultura da utilidade e a República das Letras — A primeira rede de inovação


A Revolução Industrial foi, antes de tudo, uma revolução de mentalidade.Entre os séculos XVI e XVIII, o Iluminismo transformou a contemplação da natureza em engenharia da melhoria humana.O ato de conhecer deixou de ser luxo filosófico e passou a ser instrumento moral de progresso: estudar o mundo era um dever cívico, uma forma de elevar o bem-estar coletivo.

Mas essa mudança não ocorreu isoladamente — ela exigiu instituições abertas.A República das Letras, rede informal de correspondências e publicações científicas entre intelectuais europeus, foi o primeiro protótipo global de um ecossistema de inovação.Ela conectava universidades, academias e editoras, permitindo que descobertas circulassem entre países, idiomas e credos.Mais importante: criou um mercado de reputações, onde a recompensa não era monetária, mas simbólica — prestígio, reconhecimento e pertencimento à comunidade do saber.

Esse mercado reputacional deu origem a uma nova ética: a glória de compartilhar superou o poder de reter.O progresso passou a depender menos da posse e mais da difusão.A cultura da abertura tornou-se o primeiro motor invisível da prosperidade moderna.Ao trocar o segredo pela circulação, a Europa criou o que hoje chamaríamos de capital cognitivo coletivo — uma forma de riqueza não acumulável, mas exponencial.

E esse princípio continua válido: o conhecimento cresce quando é compartilhado, testado e contestado, não quando é protegido em cofres corporativos.


Fragmentação política e o mecanismo de seleção — A competição institucional como antídoto ao medo


Mokyr também desafia o mito da unidade como condição de força.Para ele, a fragmentação política da Europa foi o que garantiu a sobrevivência da inovação.Enquanto impérios centralizados — como o chinês ou o otomano — sufocavam dissenso em nome da ordem, a multiplicidade de reinos europeus criou rotas de fuga para ideias perseguidas.Se uma teoria era censurada em Paris, podia florescer em Amsterdã; se um inventor era excomungado em Roma, podia publicar em Londres.

Essa descentralização gerou um tipo de seleção darwiniana institucional.Ideias competiam, migravam, adaptavam-se e evoluíam.A repressão deixava de ser sentença de morte e se tornava apenas um obstáculo local.A consequência foi uma resiliência sistêmica sem precedentes: o progresso tornou-se antifráfil, porque não dependia de um único centro de poder.

A lição é direta e profundamente contemporânea: a inovação precisa de mecanismos que impeçam o monopólio das ideias.Quando uma cultura ou organização concentra poder cognitivo — seja em líderes incontestáveis, seja em hierarquias rígidas — ela reduz o espaço de experimentação e aumenta o custo do erro.Sem diversidade institucional, a sociedade (ou empresa) perde o “seguro evolutivo” que garante que o novo sobreviva ao velho.


O motor do progresso — Abertura, competição e resiliência


O que Mokyr propõe é um modelo de crescimento que combina três engrenagens interdependentes:

  1. Abertura cultural, que legitima a curiosidade e a divergência.

  2. Instituições difusoras, que criam incentivos e redes de circulação de conhecimento.

  3. Competição institucional, que garante pluralidade e evita monopólios cognitivos.

Esse tripé não apenas explica o passado, mas oferece um roteiro para o presente.Empresas e nações que prosperam hoje são aquelas que conseguem equilibrar controle e liberdade, promovendo o diálogo entre estruturas formais e a experimentação informal.A inovação sustentável depende de governança emocional e institucional combinadas — uma arquitetura que protege o erro produtivo e penaliza apenas o descuido sistêmico.

O paradigma de Mokyr, portanto, é mais do que um diagnóstico histórico.É uma ciência da abertura: o estudo das condições que permitem que ideias, pessoas e emoções circulem com segurança e propósito.E, como veremos nas seções seguintes, esse mesmo princípio é a base da Engenharia de Emoções — a versão contemporânea das “instituições abertas” que sustentaram o Iluminismo.A diferença é que, hoje, o campo de batalha da inovação não está entre reinos, mas dentro das empresas — nos limites invisíveis da cultura emocional.



Da história econômica à governança corporativa — A transposição institucional


A tese de Joel Mokyr ultrapassa a história econômica: ela oferece uma lente poderosa para compreender a governança da inovação em qualquer sistema humano.As mesmas condições que tornaram possível o florescimento científico do Iluminismo — abertura, circulação e liberdade para discordar — são, hoje, os fundamentos invisíveis que sustentam a vitalidade de uma empresa.A cultura organizacional é, portanto, o equivalente funcional das instituições científicas do século XVIII.

O motor do progresso já não é apenas tecnológico; é institucional e emocional.Empresas se tornaram microcosmos da sociedade iluminista: nelas coexistem inventores, censores, mecenas e tribunais.A forma como cada organização administra esse ecossistema de poder e vulnerabilidade define se ela gera conhecimento ou apenas o consome.


Cultura como infraestrutura da ideia


Instituições, sejam acadêmicas ou corporativas, são sistemas de crenças e normas que regulam o fluxo de ideias.Na economia moderna, a moeda de troca é o conhecimento; mas, dentro das empresas, essa moeda só circula quando há confiança.A cultura organizacional, portanto, é a infraestrutura institucional da ideia — ela define se a informação se move ou se estagna.

O análogo contemporâneo da censura política do século XVIII é o risco interpessoal: o medo de falar, de errar, de ser julgado.Não há inovação quando a equipe teme expor dúvidas ou discordar.Esse medo é o novo autoritarismo cognitivo, travestido de profissionalismo.Em muitos ambientes corporativos, o silêncio é o que mantém a “produtividade”.Mas, como mostra a história, o silêncio é o prenúncio da estagnação.

Por isso, a abertura institucional precisa ser traduzida em cultura emocional aberta.É essa tradução que transforma liberdade formal em liberdade vivida — o espaço onde a criatividade deixa de ser valor retórico e passa a ser comportamento cotidiano.


Fluxo de conhecimento — Ecossistema, não propriedade


O progresso econômico europeu não dependeu apenas da invenção, mas da difusão.Do mesmo modo, empresas não fracassam por falta de talento, mas por falta de difusão interna do que já sabem.O conhecimento, isolado em departamentos, é como uma teoria não publicada — morre no anonimato.A inovação só acontece quando existe intercâmbio de perspectivas e quando o custo emocional de participar é menor que o medo de se expor.

A cultura de controle trata o conhecimento como propriedade; a cultura de inovação o trata como ecossistema.Nesse ecossistema, o papel do líder é orquestrar o fluxo, não reter o comando.A empresa que deseja colher os frutos da criatividade precisa abandonar a lógica da vigilância e adotar a lógica da confiança: trocar a punição pela escuta.

A Segurança Psicológica funciona aqui como mecanismo econômico invisível — um subsídio emocional que reduz o custo de transação das interações humanas.Quando a confiança substitui o medo, o aprendizado se torna exponencial.E assim como a “República das Letras” foi o motor intelectual da modernidade, o diálogo honesto se torna a república emocional da inovação corporativa.


Segurança Psicológica — A infraestrutura operacional da abertura


Se as instituições abertas são o arcabouço do crescimento, a Segurança Psicológica (SP) é o cimento que mantém essa estrutura de pé.Ela é a manifestação prática do princípio de Mokyr dentro da empresa — o dispositivo que torna a cultura emocional aberta operacionalizável e mensurável.Sem SP, a promessa da inovação morre na superfície do discurso.


Definição e impacto organizacional


A Harvard Business School define SP como a crença de que os membros de uma equipe não serão punidos ou rejeitados por expressar preocupações, cometer erros ou propor ideias.Em termos simples: é o oxigênio da colaboração criativa.Equipes com alta SP falam mais, aprendem mais, e por isso erram mais rápido e corrigem mais cedo — o que, paradoxalmente, as torna mais produtivas.A ausência de SP gera o oposto: silêncio, conformismo e decisões mal-informadas.

No fundo, SP não é uma questão de “segurança”, mas de governança do risco interpessoal.Ela define se o erro é tratado como falha individual ou como dados para aprendizado coletivo.Essa distinção simples separa empresas que evoluem daquelas que apenas sobrevivem.


Evidências e dimensões da SP


O Project Aristotle, conduzido pelo Google, confirmou empiricamente que a SP é o fator número um de alta performance em equipes.Nem o talento, nem a experiência, nem a diversidade de perfis foram preditores tão poderosos quanto a sensação de segurança para discordar e perguntar.A pesquisa de Amy Edmondson complementa: times com SP elevada exibem melhor tomada de decisão, menor rotatividade e mais inovação incremental.

A SP se sustenta em quatro dimensões práticas, que podem ser cultivadas e medidas:

  1. Segurança da inclusão: sentimento de pertencimento e respeito mútuo.

  2. Segurança da aprendizagem: permissão para admitir dúvidas e pedir ajuda.

  3. Segurança da contribuição: liberdade para propor ideias ou reconhecer erros.

  4. Segurança do desafio: capacidade de confrontar o status quo sem retaliação.

Cada dimensão se traduz em comportamentos observáveis: quem participa, quem fala, quem se cala.Medi-las é diagnosticar o pulso emocional da organização.


A SP como mecanismo de governança


SP não é gentileza; é método de gestão de risco.Ela previne o colapso sistêmico causado por informações reprimidas — o mesmo tipo de falha que, em sistemas complexos, leva a acidentes, fraudes e decisões desastrosas.Quando o medo domina, os sinais de alerta não sobem na hierarquia; quando há SP, a verdade circula.

Governar emoções é, portanto, governar informação.E, nesse sentido, a Engenharia de Emoções é o nome contemporâneo da velha “instituição aberta” de Mokyr: uma estrutura que protege a divergência como ativo e que converte vulnerabilidade em produtividade.


A nova fronteira da produtividade — Inteligência emocional coletiva


O motor do crescimento moderno foi o conhecimento útil.O motor do crescimento futuro será a inteligência emocional coletiva — a capacidade de grupos humanos gerirem suas emoções com a mesma disciplina com que administram seus recursos.Se o século XVIII descobriu a utilidade da ciência, o século XXI descobre a utilidade da vulnerabilidade.


Da inteligência artificial à inteligência emocional


A era digital colocou as máquinas para pensar, mas ainda depende das pessoas para sentir, conectar e criar significado.Organizações emocionalmente inteligentes são aquelas que reconhecem que inovação é, antes de tudo, uma forma de lidar com incerteza.E não há aprendizado na incerteza sem segurança emocional.

Pesquisas recentes (PMC, 2023; Emerald, 2024) mostram que um clima psicológico baseado em forças — no qual as pessoas são valorizadas por seus pontos fortes e não punidas por seus erros — aumenta diretamente a performance de inovação.Esse clima não se constrói com slogans de engajamento, mas com rituais consistentes de confiança, escuta e reconhecimento.

A cultura emocional coletiva é o software da criatividade organizacional.Ela converte emoções em energia social e transforma o medo em insight.E, assim como no Iluminismo, o que sustenta o progresso não é apenas o intelecto, mas a disposição emocional de aprender em público.


Liderança como alavanca de vulnerabilidade


A liderança é o primeiro e o último filtro da SP.Líderes que consultam antes de desafiar, que admitem erros e que demonstram curiosidade criam climas de segurança.Líderes que controlam, punem ou competem internamente instauram climas de autoproteção.

O novo modelo de liderança exige humildade situacional: abandonar a postura do especialista infalível e assumir o papel de aprendiz em tempo real.A vulnerabilidade estratégica é o sinal mais sofisticado de confiança.E confiança, nesse contexto, é a nova infraestrutura da produtividade.

A liderança emocionalmente inteligente não substitui a performance — ela a sustenta.Porque sem coragem afetiva, não há coragem criativa.E o medo, quando institucionalizado, é o maior custo invisível de qualquer empresa.


O vínculo entre saúde mental e aprendizado


Saúde mental e inovação são faces do mesmo fenômeno: ambas dependem de ambientes seguros para o erro e para o diálogo.A capacidade absortiva — ou seja, a habilidade de aprender com a experiência — cresce em climas de alta SP.Pessoas que se sentem seguras trazem o eu completo para o trabalho, demonstram mais comprometimento, mais criatividade e mais responsabilidade social.

Essa é a virada conceitual do século XXI: o bem-estar não é mais o oposto do desempenho, mas o pré-requisito da performance sustentável.Cuidar da emoção é cuidar da inovação.E a inteligência emocional coletiva, no fim das contas, é a mais pura forma de eficiência — porque transforma energia emocional em aprendizado organizacional contínuo.


Engenharia de Emoções — Como estruturar a inteligência coletiva


Escuta como estrutura. Organizações que aprendem instituem escuta: ritos de feedback, fóruns de decisão, canais seguros, curadoria de conhecimento e pós-mortems sem culpa. Isso transforma “voz” em ativo e deprecia o ruído.

Métricas e governança contínua. Medir SP (escalas validadas), acompanhar comportamentos de liderança (apoio/consulta, inclusão da alta gestão, humildade situacional) e atrelar resultados a rotas de desenvolvimento. SP não é projeto de RH; é modelo de gestão que evita a armadilha da produtividade estagnada.


ESG, NR-1 e o valor do fator humano — Abertura como compliance e estratégia


Do reputacional ao regulatório. O “S” do ESG migrou de bônus reputacional para risco quantificável. Riscos psicossociais entraram na agenda regulatória (NR-1 / GRO), exigindo estrutura para prevenção e documentação. SP e Engenharia de Emoções viram instrumentos de governança: reduzem passivos, tratam causas e elevam confiança social.

Proteção contra declínio silencioso. Onde SP é alta, erros e alertas sobem mais rápido, protegendo a organização de crises. Onde o medo domina, problemas se escondem até virar colapso. Abertura institucional e emocional não é “soft”; é controle interno sofisticado aplicado ao ativo mais crítico: a verdade operacional.


Aberto ou apenas conectado?


Mokyr mostrou que progresso é institucional: ideias prosperam onde existem estruturas que protegem divergência e circulação. Nas empresas, o paralelo é inequívoco: sem Segurança Psicológica e sem Engenharia de Emoções, não há λ novo nem κ transformador — só repetição competente.

Provocação final: sua empresa tem a coragem de destruir as rotinas que punem o erro, abafam a voz e confundem controle com competência? Estar conectado é tecnologia; estar aberto é governança. E é a abertura — institucional e emocional — que separa produtividade viva de estagnação eficiente.


Referências (ABNT simplificado — seleção)


  1. EDMONDSON, A. C. The Fearless Organization. Wiley, 2019.GOOGLE. Project Aristotle: Psychological Safety at Work. 2015.HODGSON, G. M. Culture and institutions:

  2. review of A Culture of Growth. Journal of Institutional Economics, 2021.MCKINSEY & COMPANY. Psychological safety and leadership development. 2020.MOKYR, J. A

  3. Culture of Growth. Princeton UP, 2016.PMC. Absorptive capacity, emotional intelligence, and innovation. 2023.

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