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Althea Report | Saúde Mental: O País do Esgotamento

  • Foto do escritor: Hélio Salomão Cordoeira
    Hélio Salomão Cordoeira
  • há 5 dias
  • 7 min de leitura

O novo custo do sofrimento


O Brasil vive uma crise e ela custa caro. Os números da saúde mental deixaram de ser apenas indicadores clínicos: tornaram-se o retrato econômico de uma sociedade exausta. De acordo com a Ipsos (2025), mais da metade dos brasileiros (52%) afirma que a saúde mental é, hoje, o principal problema de saúde pública do país. E, ainda assim, 69% acreditam que sua condição emocional deve melhorar nos próximos meses.


Por trás desse aparente otimismo, os custos se acumulam em uma espiral que mistura economia, trabalho e sofrimento. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que o Brasil já tenha perdido o acumulado de R$ 5 trilhões em produtividade e benefícios sociais desde 2012 — um impacto equivalente a cerca de 4% do PIB anualmente. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) projeta que, até 2050, o país poderá perder US$ 3,7 trilhões apenas com os efeitos econômicos dos transtornos mentais e das doenças crônicas associadas.


A saúde mental, portanto, não é mais um tema de bastidor. Ela é uma métrica da performance nacional. Ignorá-la não é apenas negligência social, é uma decisão econômica.


A carga econômica e ocupacional


O esgotamento coletivo já funciona como uma crise econômica permanente. A OPAS (2024) calcula que os transtornos mentais e emocionais provocam uma perda de 4,5% do PIB brasileiro por ano — valor que ultrapassa o investimento público federal em educação. É um rombo silencioso, difícil de rastrear porque não aparece em planilhas fiscais, mas em planilhas de RH: afastamentos, demissões, quedas de produtividade e decisões erradas tomadas por profissionais que continuam trabalhando mesmo sem energia emocional para fazê-lo.


O custo da rotatividade


O ciclo é previsível: o sofrimento leva à queda de engajamento; o engajamento cai e o turnover dispara. O CAGED (2024) aponta uma taxa média de 51,3% de rotatividade no mercado de trabalho brasileiro — e quase metade desses desligamentos tem origem em fatores psicossociais. O impacto financeiro é expressivo: segundo a Sólides (2025), o país perde cerca de R$ 600 bilhões por ano com demissões, substituições e recontratações. Cada liderança substituída custa, em média, 200% do salário anual do cargo. É o preço invisível de uma cultura que trata pessoas como peças substituíveis.


O custo da presença


Mas há um custo ainda menos visível: o presenteísmo. Segundo a ISMA-BR, o Brasil perde US$ 42 bilhões anuais com profissionais que estão presentes, mas emocionalmente ausentes. Uma pesquisa da Vittude (2025) mostra que 31% dos trabalhadores brasileiros seguem trabalhando mesmo em sofrimento mental, por medo de perder o emprego. Em outras palavras, um terço da folha de pagamento do país é comprometido por produtividade emocionalmente reduzida. A cultura da resiliência sem pausa virou sinônimo de perda constante — e coletiva.


“O trabalho não está apenas cansando as pessoas. Está esgotando o país.” — Equipe de Pesquisa Althea, 2025

Burnout em lideranças: quando o topo colapsa


Durante muito tempo, o debate sobre saúde mental no trabalho focou nos níveis operacionais. Hoje, os dados mostram que o problema começa no topo. Segundo a Nascia (2025), 60% dos líderes brasileiros apresentam sintomas clínicos de burnout, e a Mercer Marsh (2025) indica que 42% dos casos corporativos envolvem cargos de gestão. São lideranças sobrecarregadas, pressionadas a performar e incapazes de cuidar — porque também estão adoecendo.


A consequência é o chamado efeito cascata do estresse: gestores emocionalmente exauridos reproduzem comportamentos de microgestão, reatividade e desumanização que contaminam as equipes. Em um cenário assim, o sofrimento se institucionaliza: ele deixa de ser um acidente e se torna método.


No campo regulatório, a lacuna se transforma em risco. Apenas 5% das empresas brasileiras estão integralmente adequadas à NR-1, que exige a inclusão de fatores psicossociais no gerenciamento de riscos ocupacionais (Flash, 2025). Isso significa que 95% das organizações seguem expostas a passivos jurídicos e reputacionais e à perda de capital humano mais difícil de quantificar: o emocional.


O sistema público e o gargalo do acesso


O esgotamento não afeta apenas empresas e trabalhadores: ele transborda para o Estado. Em 2024, o INSS registrou 472.328 afastamentos por transtornos mentais o maior número da década, e um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Esses afastamentos custaram mais de R$ 13 bilhões em benefícios, equivalentes a 12% de todos os gastos previdenciários por incapacidade.


A rede pública, mesmo ampliada, não dá conta. O Ministério da Saúde habilitou 134 novos CAPS em 2024, mas quase 2.400 municípios ainda não possuem nenhum. No Nordeste, o tempo médio de espera para atendimento psicológico no SUS é de cerca de 20 dias; no Sudeste, ultrapassa 100 dias (Sisreg/MS, 2024). Enquanto isso, 20% dos brasileiros abandonam a terapia por falta de recursos (Doctoralia, 2025).


O sistema de saúde mental brasileiro, que nasceu da Reforma Psiquiátrica, vem se tornando um sistema farmacodependente. Entre 2019 e 2023, o SUS aumentou em 51% o gasto com antidepressivos e estabilizadores de humor (CFF/IQVIA, 2024), chegando a R$ 125 milhões. O problema não é apenas orçamentário: é estrutural. Estamos medicando o sintoma de um país que adoece no trabalho e sofre na fila do CAPS.


O custo invisível — Estado, mercado e indivíduo


O Estado paga o que o mercado ignora


O Estado arca com as consequências de um sofrimento que poderia ser prevenido nas empresas. Entre 2012 e 2025, os afastamentos por transtornos mentais cresceram 134%. Hoje, o INSS gasta R$ 13 bilhões por ano em benefícios e o SUS injeta R$ 4,7 bilhões em políticas de saúde mental, enquanto a demanda cresce exponencialmente. Na prática, o país está financiando os efeitos de um modelo de trabalho que adoece sistematicamente sua população.


O mercado que perde valor


A ausência de gestão emocional tem impacto direto no valor corporativo. Empresas brasileiras perdem R$ 600 bilhões anuais com rotatividade e US$ 42 bilhões com presenteísmo. Pesquisas da McKinsey (2024) e da Harvard Business Review demonstram que organizações com programas estruturados de bem-estar têm ROI médio de 4:1 e 85% mais eficiência operacional. Cuidar da saúde mental é, portanto, uma decisão de negócio — e não de benevolência.


O indivíduo que adoece e paga a conta


Para o cidadão comum, o sofrimento se mede em dívidas e noites sem sono. O Brasil tem 66 milhões de inadimplentes (Serasa, 2025), e 48% deles relacionam sua ansiedade ao endividamento. 32% relatam perda de sono, apetite e foco devido à preocupação financeira. O estresse econômico virou gatilho para o adoecimento emocional — e o adoecimento emocional, por sua vez, agrava o ciclo da dívida. Nos Estados Unidos, 42% das pessoas de baixa renda deixaram de comprar remédios por falta de dinheiro (Gallup/West Health, 2025). No Brasil, essa estatística ainda não está medida — mas é facilmente reconhecível.


“O sofrimento é pago três vezes: pelo indivíduo que adoece, pela empresa que perde e pelo Estado que paga a conta.” — Equipe de Pesquisa Althea, 2025

O paradoxo brasileiro — Sofrimento e esperança


E, ainda assim, o Brasil continua sorrindo. O World Happiness Report (2025) coloca o país em 22º lugar entre 140 nações — sua melhor posição em dez anos. A Gallup (2024) mostra que os brasileiros têm um dos maiores índices de emoções positivas do planeta (84), mas também estão entre os povos que mais sentem estresse e preocupação diários.

Esse contraste é o coração do paradoxo brasileiro: sofremos profundamente, mas não desistimos de acreditar. A esperança, no Brasil, é uma forma de sobrevivência. Ela mantém o país em movimento, mas também mascara a gravidade do que precisa ser transformado. O otimismo é cultural, sim — mas quando ele se torna permanente, também é político: é o que impede a sociedade de reconhecer que sua resiliência virou cansaço.

A psicologia cultural latino-americana chama isso de “esperança como resistência”. Mas a fronteira entre resistência e negação está cada vez mais tênue. E o perigo é confundir força com anestesia.


Conclusão: A urgência da métrica emocional


O país está medindo produtividade, mas não está medindo exaustão. Está contando o número de contratos, mas não o de colapsos. Está celebrando crescimento econômico, enquanto o custo humano desse crescimento corrói silenciosamente as bases da sustentabilidade.

A crise de saúde mental brasileira não é um problema individual, é um problema de desenho social. Ela nasce de modelos de trabalho que confundem disponibilidade com comprometimento, e termina em políticas públicas que tratam sintomas sem atacar causas. Se o século XX mediu a força de um país por seu PIB, o século XXI medirá por sua capacidade de preservar a saúde emocional de quem o sustenta.


“A saúde mental não é custo — é índice de sustentabilidade humana.” — Althea Engenharia de Emoções, 2025

Referências (ABNT simplificado)


BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim de Saúde Mental 2024. Brasília: MS, 2025.

BRASIL. Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Relatório de Benefícios 2024. Brasília: INSS, 2025.

CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Relatório Anual de Movimentação do Trabalho. Ministério do Trabalho e Emprego, 2024.

CFF – Conselho Federal de Farmácia; IQVIA. Consumo e gasto público com antidepressivos no Brasil (2019–2023). Brasília: CFF, 2024.

CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Mapeamento da Rede de Atenção Psicossocial (CAPS) no Brasil. Brasília: CONASS, 2024.

DOCTORALIA. Pesquisa Nacional sobre Terapia e Saúde Mental no Brasil. São Paulo: Doctoralia, 2025.

FLASH. Panorama Nacional de Saúde Mental Corporativa e Adequação à NR-1. São Paulo: Flash Benefícios, 2025.

GALLUP. State of the Global Workplace 2025. Washington: Gallup, 2025.

GALLUP; WEST HEALTH. Healthcare Value and Financial Anxiety Report. Washington: Gallup, 2025.

HARVARD BUSINESS REVIEW. The Economics of Emotional Health at Work. Boston: Harvard Business Publishing, 2024.

INSTITUTO CIDADANIA EMPRESARIAL; MERCER MARSH. Relatório Corporativo sobre Burnout e Lideranças no Brasil. São Paulo: Mercer Marsh, 2025.

ISMA-BR – International Stress Management Association Brasil. Custos do Estresse e Presenteísmo no Ambiente de Trabalho. São Paulo: ISMA-BR, 2025.

IPSOS. Health Service Report 2024: Saúde Mental e Acesso Global. Londres: Ipsos Group, 2024.

IPSOS. Predictions 2025 – O que os brasileiros esperam para o futuro da saúde mental. São Paulo: Ipsos, 2025.

MCKINSEY & COMPANY. Wellbeing at Work: Global ROI on Mental Health Programs. Nova York: McKinsey, 2024.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT); ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Trabalho e Saúde Mental no Brasil (2012–2025). Brasília: MPT/OIT, 2025.

NASCIA. Relatório Nacional de Burnout e Saúde Emocional em Lideranças. São Paulo: Nascia, 2025.

OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde. Mental Health and Economic Impact in Latin America. Washington: OPAS, 2024.

SERASA EXPERIAN. Relatório de Endividamento e Saúde Financeira 2025. São Paulo: Serasa Experian, 2025.

SÓLIDES TECNOLOGIA. Panorama de Rotatividade e Custos de Pessoal no Brasil. Belo Horizonte: Sólides, 2025.

VITTUDE. Relatório de Saúde Mental nas Organizações Brasileiras 2025. São Paulo: Vittude, 2025.

WORLD HAPPINESS REPORT. Sustainable Wellbeing and Mental Health. Nova York: ONU, 2025.

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