A romantização da presença como símbolo de status na cultura corporativa.
- Hélio Salomão Cordoeira
- 29 de out.
- 4 min de leitura
Entre Síndromes e Séries | Althea Engenharia de Emoções
Quando a ficção vira método
Em Suits, o escritório é uma arena:luzes frias, diálogos velozes, decisões tomadas entre goles de café e ironias afiadas.Ninguém hesita. Ninguém descansa.O ritmo é quase sobre-humano — e é justamente isso que encanta.
Mas por trás da estética da eficiência existe uma mensagem perigosa:a glamourização da prontidão constante — o mito de que estar sempre disponível é sinônimo de competência.
Esse modelo de comportamento, que parecia apenas ficcional, hoje é a regra não escrita de muitas empresas.Responder rápido é sinal de lealdade.Estar online é sinal de comprometimento.E descansar é, para muitos, um risco reputacional.
O mito da presença produtiva
Pesquisadores da Harvard Business School chamam esse fenômeno de always-on culture —um sistema invisível que transforma a disponibilidade em virtude e o silêncio em ameaça.De acordo com o relatório State of Burnout 2024 (Indeed),64% dos profissionais brasileiros sentem que precisam estar disponíveis fora do expediente,e 46% afirmam que não conseguem desconectar mentalmente do trabalho, mesmo em momentos de lazer.
O paradoxo é evidente: quanto mais conectados, menos presentes.A mente se fragmenta entre notificações, reuniões e urgências que nunca cessam.O descanso, que deveria restaurar, torna-se mais um item da lista de pendências.
A cultura da presença permanente é também a cultura da culpa pela pausa.Nela, produtividade deixa de significar criação — e passa a significar resistência.
Quando a exaustão ganha status
A síndrome da performance contínua nasce desse paradoxo:a ideia de que a mente produtiva é aquela que nunca para.Mas o corpo não compartilha dessa fantasia.
Segundo a International Stress Management Association (ISMA-BR, 2024),o Brasil é o segundo país com maior incidência de burnout no mundo,com cerca de 30% da força de trabalho apresentando sintomas de esgotamento.
A professora Erin Reid (Harvard Business School, 2022) descreve esse comportamento como overwork identity —a identidade profissional baseada na exaustão,onde o valor individual se mede pela capacidade de suportar o insuportável.
Trabalhar demais deixa de ser um problema e passa a ser um sinal de mérito.A fadiga é reinterpretada como “comprometimento”.E a ausência, como falta de ambição.
A fisiologia do cansaço: o custo biológico da prontidão
A sobrecarga digital e emocional cobra juros altos.Pesquisas da McKinsey Health Institute (2023) mostram que profissionais hiperconectadosapresentam níveis 60% mais altos de cortisol e risco 2,5 vezes maior de insônia, ansiedade e depressão.
O cérebro humano simplesmente não foi projetado para operar em prontidão constante.O sistema nervoso alterna naturalmente entre estados de ação e recuperação;quando essa alternância é interrompida, o corpo entra em colapso gradual —e o desempenho, paradoxalmente, cai.
O esgotamento se disfarça de produtividade,até que o corpo se recuse a continuar o disfarce.
Quando a exaustão se torna risco jurídico
O problema deixou de ser apenas humano — e passou a ser também regulatório.Desde 2025, a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) reconhece formalmente os riscos psicossociaiscomo parte do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO).
Isso significa que ignorar o impacto da sobrecarga emocionalconfigura não conformidade legal.Empresas que incentivam jornadas contínuas, mesmo de forma implícita,podem estar violando o princípio de prevenção da norma —que exige identificar, avaliar e reduzir riscos psicossociais.
O cansaço institucionalizado deixou de ser apenas uma questão ética.Hoje, é também uma questão de compliance.
A romantização do colapso
A cultura corporativa aprendeu a disfarçar o adoecimento.Chamamos de “alta performance” o que, muitas vezes, é apenas exaustão com crachá.O discurso da eficiência produz o mesmo efeito da ficção de Suits:faz do colapso um espetáculo, e da insônia uma estética.
A síndrome da performance contínua é, em última instância, uma falha de governança emocional.Ela transforma o cuidado em fraqueza, e o silêncio em erro.E quanto mais se repete o mantra da excelência,mais se esconde a precariedade de um modelo que premia a resistência e pune a pausa.
O que a Engenharia de Emoções propõe
A Engenharia de Emoções, conceito central da Althea, propõe o oposto:transformar o cuidado em métrica e o descanso em estratégia.Mais do que tratar sintomas, trata-se de reprojetar o ambiente de trabalhopara que a saúde mental deixe de ser discurso e se torne infraestrutura.
Isso inclui:
Mapeamento de riscos psicossociais com base em evidências científicas;
Indicadores comparativos que permitem medir o impacto emocional da cultura corporativa;
Dashboards em conformidade com a NR-1;
E um modelo de gestão onde vulnerabilidade e desempenho coexistem.
Não se trata de romantizar o autocuidado,mas de reconhecer que sem gestão emocional não há sustentabilidade corporativa.
Conclusão: o novo símbolo de status
O novo símbolo de status não é estar disponível —é poder desconectar sem culpa.É liderar sem precisar provar valor pela exaustão.É compreender que o verdadeiro luxo da era digitalé ter tempo e mente para pensar com profundidade.
A síndrome da performance contínua é o burnout de terno e gravata.E a cura não está em mais performance,mas em menos resistência.
Na Althea, acreditamos que estar presente não é estar disponível — é estar inteiro.
Referências
Indeed. State of Burnout Report 2024.
Deloitte. Digital Exhaustion Index 2023.
ISMA-BR. Relatório de Estresse e Burnout 2024.
Erin Reid. Harvard Business School Research on Overwork Identity, 2022.
McKinsey Health Institute. The Mental Health Imperative at Work, 2023.
GOV.BR. Norma Regulamentadora 01 – Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (Atualizada 2025).
Mazmanian, M. et al. The Autonomy Paradox: The Implications of Mobile Email Devices for Knowledge Professionals. Organization Science, 2013.
Entre Síndromes e Séries | Althea Engenharia de Emoções
Cuidar da mente é o único briefing que não pode ser adiado.
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