Althea Report | A Desigualdade Emocional Brasileira
- Hélio Salomão Cordoeira
- 5 de nov.
- 6 min de leitura
Como renda, território e classe definem quem adoece, quem é tratado e quem é esquecido.
O Brasil emocionalmente dividido
O Brasil é o país onde se fala sobre saúde mental — mas onde ainda é privilégio poder cuidar dela.A crise emocional brasileira não é apenas individual; é estrutural.Ela reflete as mesmas desigualdades que há décadas moldam o país: as da renda, do gênero, da cor e do território.O sofrimento não se distribui igualmente.Ele segue o mesmo mapa da fome, da violência e da precarização: quanto menos se tem, mais se adoece — e menos se é tratado.
Segundo a Ipsos (2025), 52% dos brasileiros já consideram a saúde mental o principal problema de saúde pública do país.Mas os números escondem outra realidade: 75% das pessoas com transtornos mentais não recebem tratamento adequado (Fiocruz, 2024).E, mesmo quando o cuidado existe, ele é desigual.A cobertura dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) é dramática: o Norte tem o triplo da demanda per capita do Sul, mas apenas metade das unidades (Ministério da Saúde, 2024).Enquanto isso, o custo médio de uma sessão de terapia privada varia entre R$ 200 e R$ 400 — valor inacessível para mais de 70% da população (Doctoralia, 2025).
O resultado é um país emocionalmente segregado.Em que o bem-estar é tratado como escolha pessoal, e o sofrimento como falta de esforço.
“O Brasil fala de saúde mental como pauta moderna, mas a distribui como privilégio.”— Althea Engenharia de Emoções, 2025
O mapa do sofrimento
A desigualdade emocional brasileira tem geografia própria — e ela é quase idêntica ao mapa da pobreza.Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2024), o Sudeste concentra quase metade dos psicólogos e psiquiatras do país, enquanto o Norte e o Nordeste somam menos de 20%.Em termos práticos, isso significa que, em muitas cidades brasileiras, não há sequer um profissional de saúde mental por 100 mil habitantes.A ausência de infraestrutura cria um deserto emocional: lugares onde o sofrimento não é tratado, apenas tolerado.
As diferenças regionais também revelam o impacto da renda.Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/IBGE, 2024) mostram que pessoas com renda de até dois salários mínimos têm 2,8 vezes mais sintomas de sofrimento psíquico do que as de renda superior.Mas a desigualdade não é só econômica: é racial e de gênero.A Fiocruz (2023) aponta que mulheres negras apresentam o dobro da taxa de sintomas depressivos em relação a mulheres brancas — e, paradoxalmente, são as que menos têm acesso a atendimento especializado.
“No Brasil, o CEP ainda é o principal determinante da saúde mental.”— Equipe de Pesquisa Althea, 2025
Essas distorções mostram que o sofrimento não é neutro.Ele tem cor, classe e endereço.
O custo emocional da pobreza
A pobreza não se manifesta apenas na falta de dinheiro.Ela se infiltra na mente — como medo, insônia, tensão e sensação de fracasso.A Serasa Experian (2025) aponta que 48% das pessoas endividadas no Brasil relatam ansiedade constante, e 32% têm distúrbios de sono relacionados a dívidas.A PNAD (2024) confirma: pessoas desempregadas têm três vezes mais chance de desenvolver depressão.
A pobreza é, portanto, também uma condição psicológica: uma vida vivida em estado de alerta.O medo da perda — da casa, do trabalho, da dignidade — gera uma forma crônica de sofrimento que raramente é nomeada como doença.É o estresse silencioso das incertezas diárias, que não cabe nos diagnósticos, mas corrói a vida.
A Gallup (2025) confirma o padrão: o Brasil está entre os países com maior correlação entre insegurança financeira e sofrimento emocional.O adoecimento mental, nesse contexto, não é um desvio individual, mas um produto da desigualdade estrutural.E quando o Estado não ampara, o mercado transforma o sofrimento em oportunidade — e o cuidado em negócio.
“O adoecimento mental é o novo rosto da desigualdade: ele não grita, ele cansa.”— Althea Engenharia de Emoções, 2025
Gênero, cor e cuidado: o triplo peso invisível
A desigualdade emocional brasileira é também de gênero e raça.Entre as mulheres, o adoecimento está ligado à sobrecarga emocional e ao papel social do cuidado — cuidar de todos, menos de si mesmas.Entre os homens, o sofrimento se expressa pelo silêncio, pela violência ou pelo adoecimento físico.E entre pessoas negras e periféricas, a dor é invisibilizada pela expectativa de resistência.
Segundo o DIEESE (2023), as trabalhadoras domésticas e cuidadoras — majoritariamente mulheres negras — estão entre os grupos com maior índice de adoecimento psicológico não tratado.Elas convivem com a exaustão, o assédio e a falta de reconhecimento, mas raramente com apoio.Por outro lado, os homens de baixa renda têm a maior taxa de suicídio entre 20 e 40 anos (Ministério da Saúde, 2024) — e são também os que menos procuram ajuda.
O resultado é um paradoxo:os grupos que mais sofrem são os que menos podem expressar esse sofrimento.A desigualdade emocional brasileira, portanto, não é só falta de acesso; é negação do direito de adoecer.
“No Brasil, quem é visto como forte não tem permissão para sentir.”— Equipe de Pesquisa Althea, 2025
A privatização do cuidado
Nos últimos cinco anos, o cuidado emocional virou mercado.Planos de saúde, plataformas de terapia, aplicativos de bem-estar e programas corporativos multiplicaram-se — um avanço inegável, mas também excludente.De acordo com a ABRAPP (2025), o mercado de saúde emocional cresceu 140% desde 2020, com foco quase exclusivo nas classes A e B.O SUS, por sua vez, atende menos de 20% da demanda estimada de atenção psicossocial leve e moderada (Ministério da Saúde, 2024).
O resultado é um sistema duplo: um país com consultórios lotados nas grandes capitais e vazios nas cidades pequenas.Onde a escuta virou serviço premium, e o sofrimento, uma assinatura mensal.Enquanto o Estado se retrai, o mercado preenche o vazio — mas à custa de uma exclusão simbólica: quem não pode pagar, aprende a se adaptar.
“Quem pode paga terapia. Quem não pode, se adapta.”— Equipe de Pesquisa Althea, 2025
O discurso do autocuidado, embora legítimo, é frequentemente despolitizado.Ele responsabiliza o indivíduo pelo equilíbrio que o sistema lhe nega.Transforma exaustão em falha pessoal e sofrimento em falta de disciplina.Mas autocuidado sem estrutura é apenas sobrevivência com marketing.
A desigualdade da exaustão
O sofrimento no Brasil não é apenas desigual — é invisibilizado pela fadiga.A desigualdade emocional não se expressa no silêncio, mas na exaustão coletiva de quem já não tem energia para reivindicar cuidado.Em muitas regiões do país, o adoecimento mental é vivido como rotina, não como alerta.A dor se normalizou: virou o preço do sustento, o custo do deslocamento, o subtexto do cotidiano.
Pesquisas da Fiocruz (2024) mostram que trabalhadores de baixa renda são os que mais relatam “cansaço constante” e “sensação de inutilidade”, mas são também os que menos reconhecem esses sintomas como sofrimento psíquico.A falta de acesso não é só material — é simbólica.Sem espaços de escuta, o mal-estar é absorvido como parte da vida, e o corpo se torna o último canal possível de expressão.
O resultado é um tipo de colapso social silencioso: um país cansado demais para se curar.E esse cansaço, mais do que qualquer diagnóstico, é o novo termômetro da desigualdade.
“O Brasil não está em silêncio — está exausto.”— Althea Engenharia de Emoções, 2025
Conclusão — O país que adoece de desigualdade
A desigualdade emocional brasileira é o retrato mais preciso do nosso tempo.Ela não é medida apenas pelo número de consultas ou pela presença de psicólogos, mas pela distância entre quem pode se cuidar e quem precisa se conformar.O país que fala sobre saúde mental é o mesmo que normaliza jornadas de 12 horas, transporte precário e salários que mal cobrem a sobrevivência.O discurso do equilíbrio emocional perde sentido em uma sociedade que adoece por excesso de esforço e falta de futuro.
Enquanto o cuidado for tratado como escolha e não como estrutura, o sofrimento continuará sendo o reflexo mais fiel da desigualdade nacional.Não há inovação possível num país emocionalmente dividido.Porque o bem-estar, assim como a justiça, não é luxo — é infraestrutura.
“A desigualdade emocional é a forma mais sofisticada de exclusão: ela não nega direitos, apenas esgota quem tenta exercê-los.”— Althea Engenharia de Emoções, 2025
A Althea acredita que o futuro emocional do Brasil só será possível quando o cuidado deixar de ser uma vantagem e voltar a ser um direito — distribuído, acessível e digno.O país que queremos construir não é o que produz mais, mas o que permite às pessoas existirem sem se esgotar.
“A desigualdade emocional brasileira é a fronteira invisível que separa quem vive daquilo que apenas sobrevive.”— Althea Engenharia de Emoções, 2025
Referências
FIORUZ, Fundação Oswaldo Cruz. Inquérito Nacional de Saúde Mental e Desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro, 2024.
IBGE. Pesquisa Nacional de Saúde e PNAD Contínua 2024. Brasília, 2024.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Boletim CAPS e Atenção Psicossocial. Brasília, 2024.
IPSOS. Health Service Report 2024; Predictions 2025. Londres, 2025.
SERASA EXPERIAN. Relatório de Endividamento e Saúde Financeira. São Paulo, 2025.
GALLUP. State of Global Workplace & Global Emotions Reports. Washington, 2025.
DIEESE. Trabalho Doméstico e Saúde Mental no Brasil. São Paulo, 2023.
ABRAPP. Mercado de Benefícios e Saúde Emocional. São Paulo, 2025.
DOCTORALIA. Custo e Acesso à Psicoterapia no Brasil. São Paulo, 2025.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Distribuição Regional da Força de Trabalho em Psicologia. Brasília, 2024.
.png)



Comentários